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"No Ritmo do Carnaval: Alegria, Desigualdade e a Arte de Esquecer"

Ah, ó carnaval! Esse breve intervalo em que o Brasil parece esquecer quem é – ou melhor, quem deveria ser. Durante quatro dias, as preocupações diárias – aquelas que pesam nos ombros como uma mochila cheia de pedras – são deixadas de lado. O preço do ovo? Sumiu. A fila do posto de saúde? Invisível. A inflação que corroi os bolsos? Alguém viu? Não, não vi. Porque no carnaval, tudo vira purpurina, confete e serpentina. Até os problemas parecem vestir uma fantasia e sair dançando ao som de um trio elétrico. E os políticos? Ah, esses aproveitam para tirar férias da própria imagem. Ninguém está pensando neles agora – afinal, quem consegue lembrar de escândalos enquanto tenta acompanhar o ritmo do frevo?

É impressionante como esse país consegue transformar a dor em festa. Enquanto o mundo lá fora discute crises econômicas, guerras e mudanças climáticas, aqui estamos nós, mergulhados na batucada. E não me entenda mal: eu gosto do carnaval. Gosto da energia das escolas de samba, do frevo pernambucano que faz os pés flutuarem, dos blocos de rua que unem gente de todas as classes sociais em uma celebração coletiva. Mas há algo profundamente irônico – e até triste – nessa pausa forçada que damos na realidade.

Por alguns dias, ninguém fala sobre a pandemia. Lembra-se dela? A covid-19, aquele vírus que paralisou o mundo, fechou hospitais, roubou seus avós e obrigou todo o mundo a aprender a usar máscaras e álcool em gel. Hoje, ela é só mais um fantasma esquecido no baile. As pessoas se aglomeram nas ruas, cantam juntas, abraçam desconhecidos e riem como se nunca foram ouvidos falar em distanciamento social. É libertador? Sim. É irresponsável? Talvez. Mas o brasileiro tem essa habilidade peculiar de transformar o luto em festa. Quem sabe seja uma forma de sobrevivência. Ou talvez seja apenas a nossa maneira de dizer: "Se vamos morrer, que seja dançando."

E então vem o trio elétrico, com seus decibéis capazes de garantir até quem está a quilômetros de distância. Ali, no alto do palco improvisado, os artistas cantam músicas que falam de amor, de liberdade, de felicidade. Mas também pode haver desigualdade, corrupção, resistência. É uma contradição ambulante: enquanto celebramos nossa cultura vibrante, ignoramos os buracos nas ruas por onde passamos todos os dias. Enquanto dançamos ao som de marchinhas, fingimos não ver as filas enormes nos postos de saúde ou o aumento absurdo no preço do café.

Mas talvez o mais fascinante seja a capacidade do carnaval de nível – ainda que temporariamente – as diferenças sociais. No meio do bloco, rico e pobre dividem o mesmo espaço, sujam os mesmos sapatos de glitter e unem a mesma cerveja quente comprada em uma barraca improvisada. Por um momento, somos todos iguais. Claro, quando a festa acaba, cada uma volta para sua realidade: uns para mansões com piscina, outros para casas de aluguel aconchegantes, muitos para barracos de lona nas periferias. Mas durante esses quatro dias, o Brasil sonha que é possível conviver sem barreiras.

Agora, reflita comigo: será que precisamos de uma festa para lembrar que somos humanos? Será que só conseguimos enxergar o outro quando estamos fantasiados e bêbados de alegria? O carnaval é lindo, sim, mas ele também escancara nossas mazelas. Ele nos mostra como somos bons em esquecer – ou fingir esquecer – os problemas que nos cercam. Quando a quarta-feira de cinzas chegar, o preço do ovo vai voltar a ser notícia, as filas nos hospitais continuarão intermináveis ​​e os políticos retomarão suas discussões inúteis no Congresso.

Porque, convenhamos, o político brasileiro é o verdadeiro mestre-sala do carnaval. Ele sabe exatamente quando entrar na avenida – ou melhor, na mídia – e quando sair de cena. Durante o ano, eles prometem soluções milagrosas, cortam palavras da saúde e da educação, e depois aparecem fantasiados de salvadores da pátria, distribuindo sorrisos e selfies em camarotes. É como se fosse parte do show, mas nunca do problema. E nós, enquanto isso, continuamos pagando ingresso para assistir à mesma apresentação, ano após ano.

Mas o carnaval também é irreverente. Ele nos obriga a olhar para nós mesmos e rir do absurdo. Porque, afinal, o que é mais absurdo fazer com que um país que celebra sua cultura enquanto ignora suas feridas? Que dança ao som de canções sobre injustiça social, mas não faz nada para mudá-la? Que transforma a miséria em arte, mas não resolve a pobreza? O carnaval é uma grande piada – e nós somos ao mesmo tempo dos comediantes e do público.

No fundo, o brasileiro é um artista: transforma a adversidade em arte, o sofrimento em música, o descaso em folia. Só espero que, quando a poeira baixar e as serpentinas forem varridas das calçadas, possamos levar um pouco dessa alegria para o resto do ano. Porque, afinal, se conseguimos esquecer os problemas por quatro dias, quem sabe podemos aprender a enfrentá-los com a mesma leveza pelo resto deles?

Até lá, vamos sambar. Mas que seja com os pés firmes no chão – e os olhos bem abertos para o que acontece fora da festa. Afinal, o carnaval pode ser uma pausa, mas a vida real não espera por ninguém. Nem pelos políticos, nem por nós.

Por Zé Caboclo, cronista político






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