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Por Emenson Silva: “Ilhéus, meu lugar no mundo”

Hoje acordei mais ilheense do que nunca. Senti vontade de falar com carinho dessa cidade que me formou, que moldou meu jeito de olhar o mundo, de escrever, de me posicionar. Ilhéus tem seus defeitos, é verdade, mas também tem uma beleza que impressiona, que toca, que não se explica em poucas palavras. A cidade tem alma, tem história, tem uma luz que vem do céu, mas também do chão, da gente que mora aqui.

Tem cheiro de mar e sabor de cacau, tem igreja centenária e samba de roda, tem Jorge Amado, tem poesia, gente que canta, que reza, que luta. É impossível não amar e se orgulhar de viver aqui, de chamar essa terra de casa. E amar é justamente o ponto onde essa conversa precisa mudar de tom.

Tenho feito críticas ao poder público, às posturas que travam o presente e mantêm um passado que já deveria ter sido superado. Mas hoje, neste aniversário da cidade, o convite é outro. É olhar também para nós, cidadãos. Não falo apenas das estruturas públicas ou de quem ocupa cargos de comando. Falo da gente. Do papel que cada um precisa assumir na construção da cidade que deseja.

É comum ouvir que tudo está ruim, que ninguém faz nada. Mas é preciso ir além da crítica. Política não se faz só no gabinete. Ela se faz na rua, no bairro, na escuta, na conversa, na decisão de se envolver. A cidade muda quando a população decide participar.

É papel do cidadão acompanhar a Câmara de Vereadores, entender os projetos que estão sendo votados, saber como pensa o vereador em quem votou. É direito e dever cobrar da prefeitura, conhecer os secretários, exigir transparência. E talvez o mais importante seja se envolver nas pequenas decisões que começam perto de casa. Porque Ilhéus não muda só de cima para baixo. Ela muda quando a vizinhança se junta, quando a escola vira centro de debate, quando a cidade passa a ser sentida como parte da gente.

Como explica o filósofo Mário Sérgio Cortella, “política vem do grego polis, que significa cidade, e politikós, que é aquilo que interessa a quem vive na cidade”. Ou seja, política é o exercício diário de cuidar daquilo que é comum, de transformar o espaço coletivo. É impossível amar Ilhéus sem querer cuidar dela politicamente também, sem querer fazer parte da sua transformação.

Está mais do que na hora de parar de assistir Ilhéus de longe, como quem vê uma novela ruim passando na televisão. Precisamos participar da cena, sermos protagonistas da história. A política não se resume ao voto a cada quatro anos. Ela está nas reuniões de bairro, nas sessões da Câmara, nas audiências públicas, nas conversas com os representantes eleitos. Está na pergunta que você faz, no e-mail que envia, na presença que marca, na cobrança que não deixa para depois.


Não basta criticar o que está ruim. É preciso propor, construir, apoiar o que pode melhorar. O cidadão que não participa, que não se informa, que não cobra, entrega de bandeja o futuro da sua cidade nas mãos de quem nem sempre está pronto para cuidar dela. E cuidar da cidade é um ato de amor, sim, mas antes de tudo é um ato de responsabilidade. Como cuidamos da nossa casa, dos nossos filhos, dos nossos sonhos. Ilhéus é a nossa casa.

E uma casa com quase 500 anos não pode viver em ruínas emocionais, estruturais e políticas. Como se costuma dizer, inspirado no pensamento de Rousseau, “o povo que não participa das decisões está condenado a obedecer aos piores”. Participar é um ato de poder. E o povo de Ilhéus precisa se lembrar do poder que tem.

Temos muitos problemas, muitos deles históricos. Mas temos força. Temos uma juventude que quer fazer diferente, temos artistas, educadores, empreendedores, lideranças comunitárias que sonham com uma cidade mais justa, mais organizada, mais nossa. Temos uma cidade que um dia já foi capital do cacau, cenário de Jorge Amado, inspiração de cinema. Precisamos recuperar esse brilho. E ele não virá apenas das canetas oficiais. Vai nascer do povo que caminha pelo centro histórico, que vive nos bairros, que ama o mar, os morros, os rios e as histórias que fazem essa terra única.

Ficar só na reclamação de que tudo está ruim é fácil. Mas a mudança começa com quem se envolve. A cidade que queremos depende da cidade que ajudamos a construir. E Ilhéus precisa de um povo presente, disposto a sair da indignação passiva para uma atuação mais firme, mais consciente e mais corajosa.

Faltam nove anos para os 500 anos de Ilhéus. Dá tempo de se organizar, de transformar, de fazer história. O aniversário de uma cidade não é apenas uma data para shows ou homenagens protocolares. É um convite à reflexão. Que cidade estamos deixando para os próximos 500 anos? A resposta está nas nossas atitudes diárias, no quanto escolhemos cuidar ou ignorar o lugar onde vivemos.

Ilhéus merece mais que promessas de campanha. Merece presença, participação, responsabilidade. Uma cidade com tanta história não pode viver à margem da sua própria potência. Como escreveu o poeta, “quem tem luz própria incomoda quem vive no escuro”. Ilhéus tem luz. Falta acender de novo em nós o desejo de fazer essa luz brilhar por inteiro.

Hoje é dia de festa. Mas também é dia de olhar para frente. Porque o futuro da cidade começa a ser construído agora. E esse futuro não pode ser obra apenas dos políticos. Tem que ser obra de todo mundo que vive, sonha e acredita em Ilhéus como o seu lugar no mundo.

Feliz aniversário, minha cidade. Que a gente aprenda a te honrar não só com palavras, mas com presença, ação e responsabilidade. Afinal, como diz a sabedoria popular, quem ama, cuida.

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