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Será que a alegria de três noites amadas paga o preço do resto do ano?

No calendário nordestino, o São João não é só mais uma data: é parte do DNA de um povo que aprendeu a celebrar a vida mesmo em tempos difíceis. Em Ilhéus, o “Meu São João Amado” chegou como uma promessa de alegria em meio às incertezas. Três noites intensas, milhares de pessoas na Avenida Soares Lopes, um palco que recebeu estrelas da música brasileira, uma estrutura de primeira, robusta, pensada em pouquíssimo tempo para acolher quem veio atrás de forró, momentos para guardar na memória e muito mais. Sorte de que o povo não tem acesso aos bastidores teríamos a sensação de frustração de dar dor de barriga.

É inegável, a cidade respirou festa. E há mérito nisso. O São João Amado, movimentou ambulantes, gerou empregos temporários e trouxe uma estética vibrante por alguns dias até mesmo após os festejos (risos), dando ares de vitalidade a uma Ilhéus que tanto precisa se reencontrar com sua própria energia. Mas, como sempre, a mesma pergunta permanece no ar, em uma cidade que começou o ano declarando estado de emergência e relatos de cofres vazios, com serviços básicos fragilizados e dívidas bilionárias, cabe um investimento de quase 10 milhões de reais para três noites de espetáculo?

É claro, há quem defenda que cultura é investimento e não gasto. Que cada real aplicado retorna multiplicado para a economia local. Mas, ao contrário das projeções otimistas, parece que o comércio tradicional não sentiu um grande impacto e a ocupação hoteleira ficou aquém do esperado justamente por não haver um planejamento antecipado, poucos dias de divulgação é notório a falta de articulação com o trade turístico para fazer acontecer juntos. Os principais beneficiados foram os ambulantes e prestadores de serviço direto, o que, por si só, já é muito relevante. Porém, não seria possível pensar em um modelo mais equilibrado, capaz de respeitar a urgência social sem sufocar a cultura?

E aqui, abro parênteses para outra questão, um triste contraste. Um “Meu São João Amado” grandioso e estrategicamente antecipado, o que é compreensível, para não competir com as tantas outras grandes festas da região. Mas, ao fazê-lo, criou um vácuo no próprio aniversário de Ilhéus, celebrado, dias depois, em 28 de junho, de forma quase protocolar, sem o brilho que a cidade merece ao completar 491 anos. Uma Princesinha do Sul que já teve seus tempos áureos, mas hoje parece mais uma senhora cansada, caminhando entre ruas esburacadas, obras paradas e um cotidiano de promessas adiadas.

Jorge Amado, que deu nome ao evento, retratou como poucos as contradições desta terra. Coronéis que distribuíam festas grandiosas enquanto as comunidades à margem esperavam por soluções concretas. Troque as casas-grandes pelos grandes palcos e a narrativa parece não ter mudado tanto. Talvez o coronelismo moderno seja mais sofisticado, mas a lógica ainda se reconhece no jogo entre espetáculo e necessidade.

Não se trata de negar o valor cultural e social do São João. Ao contrário, é preciso celebrá-lo e reconhecer sua importância. Mas também é essencial perguntar se não estamos repetindo padrões antigos, em que o brilho do momento custa caro para o futuro da cidade. Amar Ilhéus de fato é garantir que o resto do ano não seja uma sucessão de aniversários apagados, escolas sem estrutura e unidades de saúde sem medicamentos e atendimentos.

Que o próximo São João, seja ainda mais Amado que este e possa ser, não apenas uma festa grandiosa, mas também uma demonstração de equilíbrio entre o prazer do presente e a responsabilidade com o amanhã. Porque o povo ilheense merece dançar, sorrir e festejar, mas também merece viver numa cidade que cuida dele nos 362 dias restantes do calendário.

Artigo do professor, radialista e proprietário do Curso Gabaritando, Emenson Silva. 

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