Será que a alegria de três noites amadas paga o preço do resto do ano?
É inegável, a cidade respirou festa. E há mérito nisso. O São João Amado, movimentou ambulantes, gerou empregos temporários e trouxe uma estética vibrante por alguns dias até mesmo após os festejos (risos), dando ares de vitalidade a uma Ilhéus que tanto precisa se reencontrar com sua própria energia. Mas, como sempre, a mesma pergunta permanece no ar, em uma cidade que começou o ano declarando estado de emergência e relatos de cofres vazios, com serviços básicos fragilizados e dívidas bilionárias, cabe um investimento de quase 10 milhões de reais para três noites de espetáculo?
É claro, há quem defenda que cultura é investimento e não gasto. Que cada real aplicado retorna multiplicado para a economia local. Mas, ao contrário das projeções otimistas, parece que o comércio tradicional não sentiu um grande impacto e a ocupação hoteleira ficou aquém do esperado justamente por não haver um planejamento antecipado, poucos dias de divulgação é notório a falta de articulação com o trade turístico para fazer acontecer juntos. Os principais beneficiados foram os ambulantes e prestadores de serviço direto, o que, por si só, já é muito relevante. Porém, não seria possível pensar em um modelo mais equilibrado, capaz de respeitar a urgência social sem sufocar a cultura?
E aqui, abro parênteses para outra questão, um triste contraste. Um “Meu São João Amado” grandioso e estrategicamente antecipado, o que é compreensível, para não competir com as tantas outras grandes festas da região. Mas, ao fazê-lo, criou um vácuo no próprio aniversário de Ilhéus, celebrado, dias depois, em 28 de junho, de forma quase protocolar, sem o brilho que a cidade merece ao completar 491 anos. Uma Princesinha do Sul que já teve seus tempos áureos, mas hoje parece mais uma senhora cansada, caminhando entre ruas esburacadas, obras paradas e um cotidiano de promessas adiadas.
Jorge Amado, que deu nome ao evento, retratou como poucos as contradições desta terra. Coronéis que distribuíam festas grandiosas enquanto as comunidades à margem esperavam por soluções concretas. Troque as casas-grandes pelos grandes palcos e a narrativa parece não ter mudado tanto. Talvez o coronelismo moderno seja mais sofisticado, mas a lógica ainda se reconhece no jogo entre espetáculo e necessidade.
Não se trata de negar o valor cultural e social do São João. Ao contrário, é preciso celebrá-lo e reconhecer sua importância. Mas também é essencial perguntar se não estamos repetindo padrões antigos, em que o brilho do momento custa caro para o futuro da cidade. Amar Ilhéus de fato é garantir que o resto do ano não seja uma sucessão de aniversários apagados, escolas sem estrutura e unidades de saúde sem medicamentos e atendimentos.
Que o próximo São João, seja ainda mais Amado que este e possa ser, não apenas uma festa grandiosa, mas também uma demonstração de equilíbrio entre o prazer do presente e a responsabilidade com o amanhã. Porque o povo ilheense merece dançar, sorrir e festejar, mas também merece viver numa cidade que cuida dele nos 362 dias restantes do calendário.
Artigo do professor, radialista e proprietário do Curso Gabaritando, Emenson Silva.
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