11 de setembro de 2025 — A democracia brasileira não se ajoelhou
O acerto começou na investigação, conduzida com rigor e coragem, passando pela denúncia firme e tecnicamente impecável do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet. A acusação não se sustentou apenas na delação de Mauro Cid, mas na checagem minuciosa de cada detalhe trazido pelo ex-ajudante de ordens. Esse cuidado retirou qualquer margem para o discurso da perseguição — ainda que os fiéis seguidores de Bolsonaro insistam em repeti-lo. O julgamento, por sua vez, coroou esse processo, provas sólidas, debates transparentes e, ao final, a decisão histórica que colocou o ex-presidente a caminho da cadeia
Um símbolo adicional não pode ser ignorado, o voto decisivo coube à ministra Cármen Lúcia, que mais uma vez mostrou firmeza em momentos determinantes. Para o bolsonarismo, foi “perseguição”. Para o mundo, foi um gesto de maturidade institucional. Não é à toa que jornais como o New York Times celebraram o Brasil por fazer o que os EUA não tiveram coragem de fazer no 06 de janeiro de 2021, responsabilizar um líder autoritário que tentou se perpetuar no poder à revelia da Constituição.
Há ironias, é verdade. Uma das mais gritantes está nos pedidos de anistia feitos até mesmo antes da condenação. Ora, como se pode pedir perdão a quem nem sequer foi julgado e se defende, afirmando que não tem ligação alguma com o caso? Esse atalho equivale a uma confissão de culpa antecipada, um “mea culpa” travestido de manobra política. E, mais curioso ainda, é ver advogados de defesa disputando quem carrega mais culpa na tentativa de golpe, empurrando responsabilidades de um réu para outro. A lógica é simples, se todos estavam no mesmo barco, o naufrágio é coletivo.
Mas convém recordar que sim, foi tentativa de golpe. Houve planejamento para abolir violentamente o Estado Democrático de Direito, instrumentalizar as Forças Armadas, dissolver instituições e até mesmo eliminar fisicamente lideranças políticas e o próprio relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes. E que ninguém se engane, a própria possibilidade de ampla defesa, de fake news sendo propagadas aos milhões, de manifestações nas ruas e nas redes, só existiu porque o Brasil manteve viva a democracia que esses mesmos agentes tentaram destruir
No entanto, enquanto o país escreve esse capítulo histórico, a Câmara dos Deputados brinca com fogo ao discutir o chamado “PL da Anistia”. Uma proposta que, em vez de defender a democracia, escancara as portas da impunidade. Não se trata apenas de proteger golpistas: o texto, em alguns pontos, permitiria que políticos condenados por corrupção e outros crimes se livrassem de suas penas. No caso específico de Bolsonaro, abriria até a possibilidade de elegibilidade futura; um pesadelo não apenas para quem defende a democracia, mas também para projetos políticos de aliados, como a possível candidatura de Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo, ou para as articulações do centrão, representada aqui, por Gilberto Kassab, presidente do PSD e atual secretário de Governo e Relações Institucionais, no governo do Estado de São Paulo, que gosta de transitar por todos os lados do poder brasileiro. Aprovar esse projeto seria transformar o esforço histórico de responsabilização em farsa legislativ
Quanto ao rito, os próximos passos são claros, a defesa recorrerá, o Supremo analisará embargos, mas a sentença já está dada. A questão que resta é quando Bolsonaro cumprirá efetivamente a pena de 27 anos e 3 meses? A resposta depende do ritmo processual, mas o precedente está lançado e é irreversível (sabemos que ele não vai passar todo esse tempo em uma cela, provavelmente nem chegará perto de uma, a verdade dói um pouco, mas, conforme o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho, provavelmente, ele começaria em regime fechado, mas logo iria para a sua casa, cumprir a pena em prisão domiciliar. E pasmem, se for onde ele mora hoje, será em uma mansão, paga pelo seu partido, o PL, muito provavelmente com verbas do Fundo Eleitoral. Então, sim, você, eu, todos nós pagamos um pedacinho do aluguel de Bolsonaro)
A tentativa de golpe foi crime, e assim deve ser tratada. Porque, se tivesse dado certo, não estaríamos aqui discutindo livremente, escrevendo ou lendo este editorial. Estaríamos silenciados por um governo ilegítimo, que não hesitaria em censurar vozes críticas e perseguir adversários
A democracia brasileira é jovem, mas provou-se madura. O recado é claro, não se trata de torcida, não se trata de paixão política. Defender Bolsonaro como se fosse um time de futebol, ignorando os fatos, é cegar-se para a gravidade do que esteve em jogo. O julgamento de 11 de setembro não é sobre Lula, nem sobre o PT, nem sobre o STF. É sobre a própria sobrevivência da democracia
O Brasil mostrou ao mundo que não se ajoelha diante de golpistas. Que este episódio nos sirva de lição: democracia é bem precioso, frágil, mas possível de ser defendido. Cabe a nós, cidadãos, mantê-la de pé — com crítica, consciência e corage
Artigo do professor Emenson Silva.
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